PROIBIDO ESTACIONAR

Na teoria, eles estariam descansando, passeando e cuidando dos netos. Na prática, os 60+ não ficam parados, movimentando a vida e a economia com seus inúmeros planos e projetos. Eles usufruem o sentido literal de “melhor na idade”, vivendo com mais leveza, maturidade e a certeza de estarem aproveitando a vida.

Por Stella Bousfield | Foto Banco de Imagens

UMA GERAÇÃO EM MOVIMENTO

A geração que ultrapassou os 60 anos está surpreendendo uma sociedade que costuma encaixar tudo e todos em comportamentos e atitudes. Ao invés de cuidarem dos netos, fazerem tricô ou ocuparem-se no jardim, os novos idosos não estacionaram na vida, marcando presença no mercado de trabalho, produzindo, mostrando seu talento e contribuindo através de suas experiências. Eles quebram padrões e mostram que é possível, sim, ter uma vida plena, saudável e acima de tudo: ativa. Não podia se esperar nada menos de pessoas que, nas últimas décadas, romperam tradições, abrindo as portas para muitas conquistas que usufruímos ainda hoje em nossa sociedade.

A hair stylist joinvilense Cila Budal recentemente publicou nas redes sociais um desabafo por ser frequentemente questionada sobre sua aposentadoria. Aos 72 anos, ela avisa: “Ainda tem muito chão pela frente. Eu comecei a trabalhar aos 14 anos e ainda tenho muita garra e vontade de trabalhar; trabalho porque gosto”, enfatiza. Justamente, uma das características que marcou sua trajetória foi a irreverência, tanto na vida profi ssional quanto pessoal. “Eu sempre gostei do novo. As pessoas me procuravam por eu sempre propor cortes arrojados”, alega. Para ela, a juventude diz mais respeito sobre um modo de pensar inovador do que um corpo preservado. “Não adianta fazer plástica se a sua mente está velha”, acrescenta, afirmando que muitos idosos ficam ultrapassados por se colocarem no lugar de “coitadinhos”. “O sofá mata, só dá depressão e aumenta a dor”. E complementa: “Esqueça essa história de ‘ah, no meu tempo era melhor‘. O seu tempo já passou, o que importa é o agora”. E ela leva isso a sério. Atualmente, Cila faz variados cursos on-line para se atualizar, pratica musculação e vôlei, além de manter uma vida social ativa em bares, festas e restaurantes. Ela comenta que suas saídas sempre são supervisionadas pelos olhares questionadores da juventude. “Os jovens me observam com um olhar de reprovação, mas eu não estou nem aí para eles”, brinca.

Em suas várias viagens pelo mundo, Cila sempre percebeu um tratamento diferenciado aos mais velhos. “Eu conheci vários países e, uma coisa que sempre me impressionou foi ver as pessoas de mais idade trabalhando, exibindo tattoos e brincos de uma forma totalmente normal”, comenta. Segundo ela, infelizmente no Brasil ainda existe um grande preconceito com quem tem mais idade. “As pessoas têm preconceito com o idoso. Sem conhecer a pessoa, chamam de tia, vó ou usam o seu nome no diminutivo. Isso é uma falta de respeito”, esclarece. E quando questionada sobre os seus planos para o futuro, Cila é categórica: “O meu plano para o futuro é viver. Até quando vou trabalhar? Até quando Deus permitir. Eu estou ótima”.

Cila Budal e José Herminio Budal Arins

UMA MENTE QUE NÃO PARA

Assim como a esposa, Cila, José Herminio Budal Arins, 74 anos, mantém um ritmo de vida acelerado. Ele lê de um a dois livros por mês, assiste a muitos filmes e frequentemente costuma sair para jantar com a família, além de passar os fins de semana em Balneário Camboriú ou viajar sempre que possível. Assim como a mente, seu corpo também não para. Faz academia diariamente e sobe o Mirante três vezes por semana. “Nunca me descuidei fisicamente nem intelectualmente, portanto, não tenho com que me preocupar em relação a qualquer preconceito etário. O corpo envelhece sem a sua permissão, mas a alma só envelhece se você permitir”, garante.

E para as pessoas que estacionaram no tempo, ele dá uma dica: “Não volte para onde um dia você foi feliz, é uma armadilha da melancolia. Tudo terá mudado e nada será igual, nem mesmo você. Não volte ao passado, você já o conhece, a vida continua e há novos caminhos para percorrer, novos lugares para visitar e outras pessoas que nos esperam”, sugere.

“Todos envelhecemos, mas não envelhecemos todos da mesma maneira.

Para uns, envelhecem os olhos, para outros, envelhece o olhar.

Para uns, envelhece a boca, para outros, o beijo.

Para uns, envelhece a memória, para outros, envelhece o sonho.

Para todos, envelhece o corpo, para uns, envelhece a alma”.

(José Herminio Budal Arins)

60+ NO MERCADO DE TRABALHO

As atrizes Gilda e Sonia como as Avós da Razão

Uma pesquisa da empresa Ernst & Young e da Agência Maturi, realizada com 200 empresas brasileiras, revelou que 78% das corporações consideram-se etaristas — que têm descriminação pela idade —, e ainda oferecem barreiras na hora de contratar trabalhadores com mais de 50 anos. Porém, o envelhecimento da população vai exigir que elas estimulem as condições de permanência de profissionais mais experientes no mercado. Um dos pontos mais cobrados deste público é a adaptação ao mundo digital, tarefa que vem sendo muito bem realizada por ele. A pesquisa “Design de futuros: internet na terceira idade” realizada pela consultoria Tuia, revelou que 60% dos entrevistados entre 60 e 92 anos foram introduzidos à internet através do seu trabalho, evoluindo no uso de aplicativos e dispositivos.

Os 60+, por exemplo, invadiram as redes sociais e já figuram entre os principais influencers do mundo digital. Entre eles, destaca-se a página Avós Da Razão (@avosdarazao). Com mais de 370 mil seguidores, o canal fala do dia a dia de Gilda, 82 anos, e Sonia, 86, abordando o envelhecimento, desafiando estereótipos e dando voz a pessoas que se sentiam invisíveis. Elas se propõem a falar de tudo um pouco, divertindo e inspirando outros parceiros de sua idade. Aqui, o remédio dá vez à cervejinha, acompanhada de muitas risadas, é claro.

A psicóloga Gilda Maria Menicucci Balsini

UMA QUESTÃO DE TEMPO

Com 50 anos de experiência, a psicóloga Gilda Maria Menicucci Balsini entende que esta nova visão sobre a terceira idade é uma questão de adaptação da sociedade, assim como aconteceu anteriormente com outras pautas. “É tudo um processo de mudança e adaptação. É preciso romper fronteiras, como já houve com a independência da mulher, a aceitação da separação matrimonial e o respeito às escolhas sexuais. Agora, no momento, temos a profissionalização da terceira idade”, explica. Para a especialista, a decisão por uma velhice com alta qualidade de vida depende muito mais do indivíduo do que de uma política pública.

“A nossa mente ainda tem uma capacidade de produção muito boa. O nosso coração tem uma flexibilidade muito grande para sentir e amar, e o nosso físico pode ser preservado por cuidados com a saúde, como a prática de exercícios e alimentação. Se a gente pensar que corpo, mente e sentimento não param, não há motivos para estacionar porque temos 60, 70 ou 80 anos. Ainda existe força para buscar um caminhar profissional, além da capacidade de aprendizagem e grande experiência de vida”, considera.

Gilda é um exemplo do potencial que é possível exercer na terceira idade. Com uma agenda cheia em seu consultório psicológico, ela não para de ensinar e aprender, além de desenvolver projetos voluntários. “Até o final da minha vida vou tentar fazer um mundo melhor”. E para quem pensa em desacelerar, um conselho: “Não pare. Viva cada vez mais, ou pela inteligência, ou pelo movimento, ou pelo amor, ou por ensinar, ou por aprender, mas viva em busca da razão do existir”, conclui com sabedoria.

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